Finalmente o filme Blindness de Fernando Meireles, adaptação de Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago.
Alguns já consideram Fernando Meireles um autor-cineasta e o filme tem despertado muita curiosidade, e já está a causar imensa polémica.
Este é provavelmente o livro mais difícil de ler, no sentido de ser o mais perturbador dentre os livros de Saramago.
Para alguns de nós, incapazes de nos distanciarmos de nós mesmos, este livro representa um ataque à condição de ser cego; mas, o livro, na verdade não é nada disso. O livro é sobre a condição humana, difícil de suportar, tanto naqueles que se reveêm naquele grupo apocalíptico de sobreviventes, como naqueles que não se reveêm, de todo.
Como é que uma realidade-ficção tão limite, pode ser passada para a linguagem das imagens, segundo Fernando Meireles?
José Saramago chorou.
I have to be leaving but I won't let that come between us. Ok?
Ok.
Uma paisagem ocre:
o deserto, à minha volta.
O ar turvado de canícula
a não deixar ver, na distância,
a miragem...
«Weltzchmertz» significa, em alemão, a dor do mundo.
Edvard Munch, Melancolia. 1894-95
«Seria melhor que não houvesse nada. Como há mais dor do que prazer na terra, toda a satisfação é somente transitória, criando novos desejos e novas infelicidades; a agonia do animal devorado é maior do que o prazer do devorador.»
Shopenhauer, citado por Jonathan Littell em As Benevolentes.
Subir o rio era o mesmo que viajar para trás, até às primeiras idades do mundo, quando a vegetação transbordava da terra e as árvores reinavam. Uma torrente deserta, um grande silêncio, a floresta impenetrável. O ar quente, espesso, muito pesado, mole. A luz solar não tinha alegria.
O Coração das Trevas é um livro curto, mas intenso, exótico e mitómano que, desde 1920, ano da sua primeira publicação em Inglaterra, tem vindo a inspirar cinema e literatura. Foi este livro de Joseph Conrad que serviu de referência a Francis Ford Coppola, nas partes mais perturbadoras do argumento de Apocalipse Now, na década de 70.
A subida épica do rio Congo, até ao coração das trevas, é-nos contada pelo enigmático Marlow, marinheiro-vagabundo, de «espírito caseiro que arrastava consigo a casa - o navio; e a terra - o mar.» É Marlow quem timoneia a viagem de gentes diversas, peregrinos e indígenas canibais, mas todos vagabundos numa terra com ar de planeta desconhecido. Há um registo, visivelmente fantástico, em toda esta descrição.
Podíamo-nos imaginar como primeiros homens que tomassem posse de uma herança maldita a poder de angústias profundas e desmesurado esforço.
Assim é. À medida que este grupo entra selva adentro vai ganhando em ferocidade, em selvajaria pura, o que vai perdendo em humanidade e em razoabilidade. A Natureza torna-se, por conseguinte, manifestação do Mal, das Trevas.
Kurtz, cujos escritos denunciavam um homem notável a princípio, preocupado com práticas idealistas do Bem, acaba, no final, por se colocar nos antípodas daqueles mesmos ideais. Aquele que Marlow vai encontrar, já não é o Kurtz celebrado por todos; kurtz tornou-se a própria selva, a sombra, imenso na sua grandeza maligna.
Marlow regressa com os escritos que Kurtz lhe confiou à Europa; procura a prometida, a mulher que ficou e reclama ter conhecido Kurtz na sua natureza mais genuína: fecha-se o triângulo em torno de um homem formidável, a quem a floresta densa subjugou. Malrow sobrevive a Kurtz... assim como as Trevas que Marlow reconhece a vogar à sua volta, pela Europa, no eco das últimas palavras de Kurtz: «O Horror. O Horror.»
Frank Lloyd Wright, Taliesin
Querido Frank, no original Loving Frank, é um romance histórico. O primeiro da sua autora, Nancy Horan ao qual diz ter dedicado sete anos da sua vida.
Este livro baseia-se na relação de Frank Lloyd Wright e Mamah Borthwich Cheney; o famoso arquitecto americano do século XX e a intelectual, defensora dos direitos da mulher, e também tradutora de Ellen Key, respectivamente. É um livro de factos e ficção.
Ainda que seja a partir da perspectiva de Mamah Cheney que entramos na história da luta, sua e de Frank, pela afirmação da individualidade e da personalidade, contra a Opinião e a contingência é, todavia, na perspectiva de Frank que temos as reflecções mais contundentes: Isso nunca poderá ser perdoado num mundo de homens. Uma mulher continua a ser uma propriedade.
A sua relação nunca foi completamente aceite pela sociedade de 1900 e as suas vidas foram, até ao fim, cruelmente devastadas nos jornais da época. Os jornais tornam-se, por conseguinte, uma fonte parcial para documentar uma personalidade complexa como a de Mamah Cheney, tanto que a autora chega a lamentar, no posfácio, a inexistência de cartas que, por certo, se tornariam fontes mais fidedignas ao serviço da ficção.
Pelo olhar de Mamah somos introduzidos no processo de criação de Frank, nos altos e baixos da sua genialidade, na construção de Taleisin, na construção de uma vida fundada numa «verdade» fundamental - Só se vive uma vez neste mundo. Citação de Goethe.
A vida contudo é feita de ironias intangíveis. Quanto tudo se aconchega, surge a devastação num fim imprevisível, a provar que a realidade, muitas vezes, supera em terror a ficção...
Frank: Mamah e eu tivemos os nossos conflitos, as nossas diferenças, os nossos momentos de receio enciumado - nada disto escasseia em qualquer relação humana de carácter íntimo - mas serviram apenas para nos unirmos ainda mais fortes. Sentíamo-nos mais do que meramente felizes, mesmo quando momentaneamente infelizes...
A alma dela ingressou em mim e nunca se perderá.
Desta vez, confirmou-se os rumores dos últimos dias que apontavam para o francês Jean-Marie Gustave Le Clézio, como nome provável para o Nobel da Literatura 2008. As razões invocadas pela academia sueca - «aventura poética», «êxtase sensual» e «explorador de uma humanidade para além (...) da civilização reinante» -, apontam para um autor que procura o entendimento da humanidade, não nos paradigmas culturais do ocidente, modelo da «civilização reinante», mas nos paradigmas culturais das latitudes mais a sul.
É nessa relação de alteridade, da descoberta do outro diferente, mas semelhante, naquilo que é primordial, que a humanidade pode rever-se e rever o seu caminho civilizacional.
Jean-Marie Gustave Le Clézio que é um viajante, um solitário por vocação, passou a pertencer ao mundo.
Os holofotes estão virados para si.
Há dias que se afunilam numa escuridão boreal,
apagam o eco e a sombra
e iluminam-se em fosforescências de chiffon.
Mário de Carvalho vai receber, no dia 18, deste mês de Outubro, o Prémio Internazionale Città Di Cassimo por Alferes (1989).
Alferes é uma compilação de três histórias «A última cavalgada»; «Há bens que vêm por mal» e «Era uma vez um alferes». As três têm em comum a experiência da guerra colonial servida num registo de discreta melancolia. Um dos melhores livros de contos, da sua primeira fase.
Lê-se no blogue da revista Ler que, dia 9 de Outubro, se anunciará o Prémio Nobel da Literatura do ano 2008. Podemos imaginar uma lista de candidatos, alguns repetentes de décadas... Salman Rusdhie é o mais jubilado, fora dos nobéis.
A academia tem, a cada ano, surpreendido e originado vozes de desacordo. É um facto. Lembre-se o caso da última atribuição a Doris Lessing... Na próxima semana veremos se, em termos de reacções ao Nobel, a tradição continuará a ser o que era.
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