Terça-feira, 30 de Dezembro de 2008

 

O universo ficcional de Flannery O'Connor é feito de sinistra violência. As suas personagens são dominadas por uma loucura contida que, a determinada altura,  jorra em violência crua e vingativa. Francis Tarwater em The violent bear it away  tenta a todo custo fugir a um destino determinado pelo seu tio-avô, um fanático profeta, que o raptou e o preparou para seguir o caminho do pão da vida.

 

O rapaz pressentia que era esse o cerne da loucura do seu tio-avô, essa fome, e o que secretamente temia era que tal condição, pudesse ser hereditária, vir um dia assaltá-lo por dentro, e então seria desmanchado pela fome tal qual o velho, possuidor de um estomâgo com fundo roto de maneira que nada pudesse sará-lo ou enchê-lo, excepto o pão da vida.

 

Quando aquele, por fim, morre,  Tarwater procura escapar a esse destino. Todavia, essa fome ingénita devora-o e domina-o, sem que este lhe possa escapar. Neste processo de aceitação, a personagem, querendo defender-se,  espalha destruição e morte: o afogamento de Bishop no lago e, depois, o fogo que este vai deixando no seu rasto. Não é só a violência por ele gerada, mas também a violência que ele atrai a si. Por fim, é  encurralado e acaba,  entre as labaredas altas de Milton,  por se reconciliar com a sua condição maldita. E é assim que toma o trajecto inverso da estrada, como um condenado.


tags:

publicado por Mnemosine às 13:28 | link do post | comentar

Domingo, 28 de Dezembro de 2008

 

Somos feitos da substância do tempo. Somos a nossa memória e vivemos dentro da nossa cabeça.


tags:

publicado por Mnemosine às 17:44 | link do post | comentar

António Lobo Antunes declarou que em Portugal os livros são «indecentemente caros». É um facto indesmentível. Todavia, ainda há pouco tempo, ouvia os livreiros a dar glórias pelo número de vendas nesta quadra. Há contradições difíceis de entender.



publicado por Mnemosine às 14:15 | link do post | comentar

Domingo, 21 de Dezembro de 2008

 

 

 Eduardo Pitta coloca uma questão que eu já me tinha colocado:

2009. Desastre? Porquê?

E responde-a. Da mesma forma forma que eu responderia:

Talvez seja chegada a altura de cairmos todos na real.

Acrescenta-se:

Talvez seja chegada a altura de crivar as aparências para se aferir a realidade.

Ainda é o síndroma do deserto.

 



publicado por Mnemosine às 14:08 | link do post | comentar

Terça-feira, 16 de Dezembro de 2008

So this is Christmas and what have you done?

 



publicado por Mnemosine às 21:31 | link do post | comentar

Sábado, 13 de Dezembro de 2008

Livraria

 

Natal é com livros. Um slogan da mesma ordem do rótulo Plano Nacional de Leitura que acompanha cada vez mais livros Infanto-Juvenis e que traz consigo promessas de venda.

Ainda que pese a falência recente de uma espaço-projecto editorial conhecido, não deixa de ser verdadeiramente impressionante o volume avassalador de publicação de livros a exigir público-consumidor.  Seria muito curioso saber o que sobre isto se conhece, em concreto; a  verdade de tudo isto, porque obviamente, existem estudos actualizados sobre o segmento do livro, com números reais.

Quando se observa a dança dos livros nos espaços de venda;  assume-se que têm de existir compradores, senão para todo, pelo menos para uma parte considerável do grosso crescente de oferta. Repare-se, que se mencionou compradores e nunca leitores, essa seria outra indignação, na medida em que  permanece a questão se de facto cada comprador se pode considerar, strictu sensu, um leitor do livro que compra. A indignação permanece.

Dentre tantos livros, seguramente muitos não conseguem singrar no mercado; não conseguem passar do caixote à estante, da estante à montra. Tanto deve ser assim que, por estes dias, nem  os candidatos a blockbusters prescindem dos dois segundos de publicidade, entre o melhor detergente e o brinquedo de Natal mais desejado. Esta é a era do video-livro, e com este, tecnologias diversas, novos gadgets mais ao serviço do livro,  que da leitura. Por certo, repararam.

Ainda assim, Natal é sempre com livros.



publicado por Mnemosine às 19:20 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2008

 

 

As primeiras páginas de A viagem do Elefante colocam-nos na câmara real de D.João III; um déjà vu a trazer-nos à memória uma cena, em tudo semelhante, desta vez com D.João V, em Memorial do Convento

Uma leitura de A viagem do elefante confirma uma  aproximação maior a Memorial do Convento, mais do que a outros títulos mais recentes do autor, na medida em que é a partir de um facto histórico conhecido que, preenchendo os espaços vazios por meio da imaginação, se contrói  a narrativa da viagem do elefante.  História e ficção complementa-se, numa dialéctica de leitura que assenta na problematização de toda a relatividade da História. De resto, ainda que o autor tenha experimentado outros géneros, a verdade é que nunca abandonou inteiramente o material histórico; mesmo quando este pareceu estar completamente ausente.

 

No fundo há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o  que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade.

 

O livro é uma viagem, de Belém a Viena, de um elefante indiano e do seu cornaca, presente do rei português a Maximiliano II, genro de Carlos V, sendo que a narração desta viagem-odisseia reconstrói a diversidade de momentos que preenchem uma existência e que, por vezes, fazem com que esta se cruze com os grandes acontecimentos da História. Os dois intervenientes desta história são resgatados duma subsistência salobra para uma experiência grandiosa que coloca os dois, cornaca e elefante,  no curso dos grandes eventos da história: as questões teológicas da Igreja; as fragilidades geopolíticas da Europa de 1600; a travessia dos Alpes, proeza só igual em Aníbal;  até à chegada apoteótica a Viena, agraciada pela entrada em cena de uma criança. O elefante morreu dois anos depois - Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam -; dele restou as suas patorras transformadas em suporte de bengalas.

 

Existe neste livro, muita auto-referencialidade do escritor ao seu próprio universo ficcional; existe muia ironia e muita lucidez. Enquanto o escrevia, parou, refregou a morte e retomou-o, sem prejuízo dessa constante ironia e lucidez, como se assim tivesse de ser.

A moral é-nos dada nesta imagem:

 

Cada um é para o que nasceu, mas há que contar sempre com a possibilidade de que nos apareça pela frente excepções importantes, como é o caso de solimão, que não nasceu para isto, mas a quem não restou outro remédio que inventar por sua própria conta alguma maneira de compensar a inclinação do terreno, como foi esta de alongar a tromba para a frente, o que lhe dá o ar inconfundível de um guerreiro lançado à carga e a quem esperam morte ou glória.

 

 

 


tags:

publicado por Mnemosine às 13:21 | link do post | comentar

Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2008

No outro dia, na minha cidade, sentado na entrada de um edifício, em abandono total, um mendigo. Tinha a barba de meses. Tinha a seu lado uma mala troller,  em bom estado, e  nos seus olhos a desesperança. Passei, sem que se movesse, na sua letargia. Um texto de Sophia de Mello Breyner Andresen em Contos Exemplares soltou-se da minha memória e alguma coisa se moveu em mim.



publicado por Mnemosine às 18:32 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Terça-feira, 2 de Dezembro de 2008

 

 

Recentemente um jovem cientista português, dos muitos que engrossam as equipas de investigação do primeiro mundo, mas fora do país, viu o seu trabalho reconhecido por descobrir semelhanças a nível do processamento de informação entre o cérebro de macacos e o cérebro humano.  Esta notícia causou-me uma certa perplexidade, na medida em que pensei que tal já era conhecido. Leia-se aqui e aqui.

Alguns, dentre nós, que convivem de perto com animais já verificaram que até os animais têm os seus sentimentos, se assim podemos dizer. Os animais têm momentos de euforia, de depressão, de medo, de solidão. Os animais têm histórias individuais; são capazes de cobardias e actos heróicos; têm personalidades próprias e, sobretudo, observam-nos. O cão das lágrimas de Ensaio sobre a Cegueira observa-nos. A perturbadora reflexão pós-apocalíptica da humanidade em A ratazana de Gunter Grass é feita precisamente a partir da perspectiva de uma ratazana, que nos observou no júbilo e no final anunciado.

O outro é sempre um desconhecido, tanto mais verdadeiro quanto ele pertença a culturas diferentes, reinos diferentes. As ideias que constituem o nosso imaginário são resultado de doutrinas criacionistas que inferiorizam o estatuto do animal; mesmo depois de Darwin, tendemos a ver os animais como seres ao nosso serviço e não como seres que partilham a mesma casa global, ainda que alguns possam até ser vizinhos indesejáveis. Como, de resto, muitos outros vizinhos. Observe-se que duma pessoa boçal e execrada se diz que é um animal.

No entanto, os animais observam-nos. Será que é porque somos os seus mais recentes vizinhos na história natural da Terra?

Voltando à alta ciência. Investiga-se os complexos processos neurais do cerébro humano, visando futuramente a leitura de pensamentos. Talvez  esta aproximação ao cérebro do senhor macaco, nos dê a possibilidade de desmoronar esta Babel e acrescentar novos assombros às nossas histórias de Era uma vez, no tempo em que os animais falavam...

 

 

 

 



publicado por Mnemosine às 20:56 | link do post | comentar

mais sobre mim
Abril 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
15
16

17
18
19
20
21
22
23

24
26
27
28
29
30


posts recentes

Booklovers

Versos, versos, versos,

Fernando Pessoa - Como a ...

Poema à boca fechada

Prelúdio de Natal

Íntima distância

Alma

Dom Mario Vargas Llosa

Jorge Luís Borges: Alguém...

Nona hora

links
arquivos

Abril 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

tags

todas as tags

blogs SAPO
subscrever feeds