O dobrar dos sinos
ecoou
no silêncio dos beirais,
bateu nas sacadas,
fez ricochete
e esgueirou-se, lodoso e esguio,
até se esgotar nas sombras do laranjal.
À mesa,
os talheres quedaram-se solenes
num enlace desampado
as mãos recolheram-se expectantes
num abraço côncavo
e ficaram-se.
Lá fora os campos de arroz
espelhos de água
rachados a meio
pelo fio bulicioso da auto-estrada
continuaram desafiadores
a encará-la.
The Secret Scripture de Sebastian Barry é daquele tipo de livros que se lêem num folêgo e ficam a ressoar em nós por muito tempo, depois de fecharmos o livro.
A trama fundamental da história organiza-se em torno de uma mulher centenária, residente no hospital psiquiátrico de Roscommon, a qual, por intermédio da escrita secreta de uma espécie de memórias, busca o apaziguamento da dor que existiu na sua vida. Apesar de ser intenção de Roseanne tornar esta sua actividade secreta, os registos acabam por ir parar à mesa do médico psiquiatra, doutor Grene, que nesse momento estuda o caso desta paciente para averiguar os motivos que conduziram ao seu internamento. O médico pretende apurar se Roseanne McNulty deve acompanhar o grupo de pacientes a ser transferidos para as instalações de um novo hospital. Grene deligencia esta mudança de instalações tomado pela dor e confusão, resultante do falecimento recente da sua mulher e, na sequência, do rememorar de vivências traumáticas da sua infância.
Os relatos de vida destas duas almas em tormento, acabam por se ir embrincando até entroncarem numa mesma história que tem nos grandes acontecimentos da História recente da Républica da Irlanda, as suas coordenadas espacio-temporais. Em particular a vida de Roseanne que é a que primeiro sofre o impacto daqueles acontecimentos, por um lado, e por outro a sordidez de carácter das pessoas com quem ela se irá cruzar e que são as mesmas que a deveriam proteger. Apesar do imenso sofrimento da sua vida, o sofrimento que nunca desaparece, Roseanne tem a sabedoria de considerar que a sua dor é pequena quando comparada com a imensa dor do mundo. E conclui:
Um homem que se consegue fazer feliz, apesar dos desastres que vêm ao seu encontro, como vêm ao encontro de tantos, sem misericórdia nem favor, é um verdadeiro herói.
Ficamos a saber que há vida para além da dor; que é fundamental confiar na Vida, que é arrogante, na sua altivez, mas magnânima, na sua capacidade de, a todos os momentos, nos surpreender.
São faróis, os rostos
que encontro nesta nortada.
Projectam a exacta coordenada,
duma rota volante,
que me leva errante
a velejar.
São linhas de fogo, os rostos
que encontro nesta jornada.
Desenham as linhas da pauta,
duma música inaugural,
que me leva flutuante
a dançar.
São fios de lua, os rostos
que encontro à chegada.
Entretecem um tapete cintilante,
duma escada rolante,
que me leva triunfante
a planar,
pelo ar.
(...) os nossos rostos marcados pela faina, por decepções, pelo sucesso, pelo amor; os nossos olhos exaustos que continuam à espera, permanentemente à espera, ansiosamente à espera de algo na vida, que se esvai enquanto se espera - passa desapercebida, como um suspiro, como um lampejo - a par da juventude, da pujança, do romance das ilusões.
Joseph Conrad
Marlow, sempre loquaz, reflecte o sentido absurdo da vida, a mesma que nos retém numa espera ansiosa e permanente de algo indefinível. E ainda que saibamos que essa é uma espera inútil, sem propósito, a verdade é que não se consegue concebê-la, a vida, doutra maneira. A vida é essa espera permanente, absurda, a consumir-se, de antemão, nessa mesma espera com fim anunciado.
A sabedoria de Marlow, feita de verdades contundentes.
Desenrolar o novelo de estradas
que conduzem aos veios da serra.
Descer ao fundo dos vales
guiados por uma boa estrela.
E deixar cair, das alturas,
em cascatas de luz,
a solidão.
Estes montes espraiados,
num vai vem sombrio de ondas
que querem romper os horizontes fechados,
são uma epifania.
E em todo o lado a minha voz,
pede a Eco um grito,
gutural,
que te acorde para sempre
o teu sono
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