Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p'r'ao pé de mim...
Amei tanta cousa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...
Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim
Nem só lamas, nem só lodos ...
senhora, por bem, livrai-me do
excesso e de tudo o que for vazio de amor.
e se alguém me espera
e não me quer bem, senhora, livrai-me:
não interessa quem.
(...) senhora, por deus, livrai-me de mim
que tenho comigo as luas e as marés
e o apelo do mar sem fim.
antes de te conhecer: existias nas árvores e
nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde
muito longe de mim, dentro de mim, tu eras a claridade
José Luis Peixoto
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamante,
Creio em amores lunares com piano de fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio nun céu futuro ue houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Creio na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Amém.
Colecciono silêncios de abundância
silêncios de tardes calmas, de água
silêncios de escadas e de salas
momentos antes da arruada
Guardo silêncios de vozes amadas
os seus passos, o seu sossego
salvo conduto
nos dias de noite e nevoeiro
O silêncio chilreado dos pássaros
nas manhãs da infância
o bater de asas, as gaivotas
a erguerem-se em lufadas
Guardo o silêncio nos poemas
versos volteados, de mar
de pó, de setembro
silêncios meus
de horas vagas.
A minha ânsia do poema sublime
Aquele que guardasse intacto
O momento dos teus olhos
Que fosse, do mundo, um lugar seguro
Que fosse, do tempo, um escudo
Um poema que estancasse
O esquecimento
Ainda que me resistam as palavras
Persisto nesse poema sublime
Esse, o único que me interessa,
O poema que há-de guardar
O momento dos teus olhos, nos meus
Vou ficando.
Suspensa na litânia
que se desprende das ondas,
se desprende do marulhar de poemas antigos,
dos barcos que ardem na noite.
Vou ficando, de olhar cadente.
Do seu leito amniótico
O rio inteiro
Domina
A paisagem escandida
Por socalcos que se alongam
Num céu chumbo e sulfato
A quietude, o silêncio
desta paisagem alagada.
As copas das árvores
rompem em tufos, arbustos rasteiros
na linha de água.
A estrada parada,
só metros adiante retomada.
O sossego deste ecrã líquido
onde, ainda há pouco,
água, raios e vento,
riscavam com fúria
um filme de destruição.
Memória de terrores ancestrais,
quando a natureza era Deusa
e tudo eram sinais.
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