Acredito na flor humilde que se encosta ao muro. Natália Correia
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p'r'ao pé de mim...
Amei tanta cousa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...
Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim
Nem só lamas, nem só lodos ...
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
No palco das vitrinas
a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas.
Prelúdio de Natal, David Mourão Ferreira
Waiting here, by the river
Always failing to remember why we came
I wonder why we came
You talk to me as if from a distance
And I reply with impressions from another time
It may seem strange
But who asked you, anyway
You see
Alma matters in my body and soul.
Sonhou o mar e a lágrima.
Sonhou que ao longo dos verões, ou num céu anterior aos verões, há uma única rosa.
Jorge Luís Borges
Sonhou as portas abertas, fechadas e entreabertas. Sonhou as janelas.
Sonhou a água corrente, translúcida de terna alegria.
Sonhou sorrisos assim, definidos de seda e cetim.
Sonhou as salas vazias, cheias de silêncio e deslumbre.
Sonhou os trilhos, amortalhados de sombras verdes, frias.
Sonhou os passadiços, ladeados do ouro das dunas.
Sonhou um passo de dança, uma indie song.
Sonhou que eu sonharia o sonho de penélope.
e Sonhou ulisses, para que eu sonhasse.
senhora, por bem, livrai-me do
excesso e de tudo o que for vazio de amor.
e se alguém me espera
e não me quer bem, senhora, livrai-me:
não interessa quem.
(...) senhora, por deus, livrai-me de mim
que tenho comigo as luas e as marés
e o apelo do mar sem fim.
antes de te conhecer: existias nas árvores e
nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde
muito longe de mim, dentro de mim, tu eras a claridade
José Luis Peixoto
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamante,
Creio em amores lunares com piano de fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio nun céu futuro ue houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Creio na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Amém.
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