Do seu leito amniótico
O rio inteiro
Domina
A paisagem escandida
Por socalcos que se alongam
Num céu chumbo e sulfato
Ser a paisagem,
Que vigia a fronde dos caminhos
Ser o ramo alto,
Que acena, competindo os pássaros
Ser o canto da cigarra e
A chuva de Verão
E o pó das estrelas
Ser antes, muito antes da hora sonhada
Ser tempo, pedra e rio
Respirar em todas as coisas
Volatizada na essência do vento,
Para que, em toda a parte,
Sem nunca, nunca me ver
Tenhas sempre,
Para sempre de me encarar.
A maravilha num gesto criador
Um punhado de areia,
A esvair-se da minha mão
Lentamente, grão a grão,
A cair num montinho terno,
Quase sobranceiro
Que o vento arrasa, em fúria
Grãos de areia solta,
Trânsito de todas as eras
A escoar para dentro dos meus dias
Ao ritmo dos poentes
Dos ventos
Como disse Wittengestein « A morte não é um acontecimento da vida» Não podemos vivê-la, podemos apenas vê-la acontecer aos outros, com diferentes graus de compaixão e medo, sabendo que um dia teremos o mesmo destino.
Poderíamos dizer que o nascimento, em si, é uma sentença de morte (...), mas é uma ideia perversa e inútil. Mais vale viver a vida e tentar apreciar o tempo que passa.
Traduziu-se Deaf Sentence de David Lodge por A vida em Surdina, a tradução possível. Na verdade, a tradução livre seria «Uma Sentença de Surdez» e se aprofundarmos, traduzir-se-ia por «Uma Sentença de Morte», na medida em que as pessoas surdas não são capazes de ouvir as consoantes, precisamente a diferença entre «dead» e «deaf», diferença pouco perceptível da Língua Inglesa, mesmo para ouvidos treinados. E de resto, é isto que vamos encontrar no livro: a surdez de Desmond Bates a indiciar a aproximação da morte que a personagem vai consciencilizar e viver por antecipação, no processo de decadência e morte do seu próprio pai. E fá-lo, mas de forma divertida, evidenciando, por outro lado, o divertimento que é para os outros, a tragédia de um surdo. Os cegos geram sentimentos de compaixão, enquanto que os surdos de enfado.
Reflectindo a partir da afirmação de um condenado de Auschwitz, lugar que Desmond vai visitar a conselho do seu filho, este reflecte as suas próprias perdas e conclui que o melhor é apreciarmos o tempo que temos. Aquele condenado tinha deixado um papel enterrado num frasco, na esperança deste poder chegar às mãos da sua mulher, e nele lamentava não ter aproveitado o tempo que teve com ela, de não ter sido capaz de a apreciar no tempo em que isso era possível.
O Tempo é o mais precioso capital das nossas vidas.
A nossa vida vivê-mo-la no tempo e saber apreciar plenamente o tempo da nossa vida, na consciência de que cada momento que vivemos, em alegria ou tristeza, é irrepetível, é vivê-la. É torná-la memorável.
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